As micoses superficiais, muito comuns em países tropicais como o Brasil, são infecções fúngicas restritas à camada mais externa da pele, a camada córnea. Causadas, em sua maioria, por fungos chamados dermatófitos, essas infecções envolvem um delicado equilíbrio entre o fungo invasor e a resposta imune do organismo.
Embora a maioria dos casos seja autolimitada ou de fácil resolução com tratamento tópico, há situações em que as infecções se tornam crônicas. Mas por quê? A resposta está na forma como o sistema imune reage.
📄 Acesse o artigo completo aqui: https://doi.org/10.1590/S0365-05962011000400015
A resposta imunológica: um fator decisivo
De acordo com o estudo, a evolução clínica das micoses depende da capacidade do organismo em reconhecer e combater o fungo. Fatores como o local da infecção, a espécie do fungo, a virulência da cepa e, principalmente, o tipo de resposta imune (celular ou humoral) influenciam diretamente na gravidade da infecção.
Dermatófitos como o Trichophyton rubrum, por exemplo, tendem a provocar infecções persistentes, justamente por escaparem da resposta inflamatória mais intensa. Esses fungos podem modular o sistema imune, impedindo uma reação eficaz.
Imunidade inata e adquirida: qual é o papel de cada uma?
No primeiro contato com o fungo, nosso corpo ativa a imunidade inata. Os principais atores aqui são os queratinócitos (as células da pele), que produzem substâncias inflamatórias como IL-8 e TNF-α. Eles também liberam peptídeos antimicrobianos como defensinas e catelicidinas, que ajudam a combater o fungo diretamente.
Entretanto, se essa resposta inicial falha, entra em cena a imunidade adquirida, especialmente os linfócitos T. Uma resposta eficaz é aquela que ativa o polo Th1, com produção de citocinas como IL-12 e interferon-gama (IFN-γ). Quando esse mecanismo é bem acionado, a infecção tende a regredir. Por outro lado, um predomínio da resposta Th2, com liberação de IL-10, pode levar à cronicidade.
Dermatófitos também sabem “se esconder”
O artigo destaca que alguns fungos produzem substâncias chamadas mananas, que atrapalham a resposta imune ao inibir a ativação de células dendríticas e macrófagos, células cruciais para iniciar a defesa celular. Além disso, esses microrganismos podem suprimir receptores importantes como os TLRs (receptores toll-like), dificultando a detecção pelo sistema imune.
Com isso, o fungo consegue permanecer por mais tempo na pele sem ser eliminado completamente, gerando infecções recorrentes ou persistentes.
O papel dos receptores imunes
O estudo também analisa os receptores de padrão de reconhecimento (PRRs), como o DC-SIGN, dectin-2 e os TLRs. Eles são fundamentais para a ativação da resposta imune, pois reconhecem estruturas específicas dos fungos. Se esses receptores forem inibidos, a resposta se torna ineficaz.
Por exemplo, a presença aumentada de IL-10 (uma citocina anti-inflamatória) e a redução da IL-12 criam um ambiente propício para o fungo persistir na pele. Esse é um dos mecanismos usados por T. rubrum para evitar a eliminação.
E o que isso muda na prática?
Compreender como nosso sistema imune lida com os fungos permite que a medicina evolua para desenvolver tratamentos mais eficazes. Em vez de apenas eliminar o fungo com antifúngicos, o futuro pode estar em terapias que modulam a imunidade, fortalecendo os caminhos certos para uma resposta eficiente.
Por isso, pacientes que sofrem com micoses recorrentes, mesmo após tratamentos convencionais, devem ser avaliados não só sob o ponto de vista da dermatologia clínica, mas também imunológico.
Considerações finais
Em resumo, as micoses superficiais não são apenas infecções simples da pele. Elas representam um campo dinâmico de interação entre fungo e hospedeiro, e sua resolução está diretamente ligada ao tipo de resposta imune desencadeada.
Portanto, entender os mecanismos imunológicos que regulam essa interação é essencial para inovar nos tratamentos, prevenindo infecções crônicas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
Referência bibliográfica:
Criado PR, Oliveira CB, Dantas KC, Takiguti FA, Benini LV, Vasconcellos C. Micoses superficiais e os elementos da resposta imune. An Bras Dermatol. 2011;86(4):726-31. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0365-05962011000400015